domingo, 8 de novembro de 2009

Deus nas mãos de pecadores irados


Por Leonardo Galdino

O pastor congregacional e teólogo estadunidense Jonathan Edwards ficou mundialmente famoso nos âmbitos secular e religioso por ter pregado um dos sermões mais impactantes e conhecidos da história do Cristianismo. Após ter ficado três dias sem comer e dormir, pedindo a Deus que lhe desse a Nova Inglaterra, Edwards, de posse de um manuscrito segurado tão rente aos olhos que tapava seu rosto à multidão (ele era míope), começou a explanar aos seus ouvintes a real e aterrorizante situação dos “Pecadores nas mãos de um Deus irado”, baseando-se apenas em um trecho de Deuteronômio 32.35 (“... a seu tempo, quando resvalar o seu pé”). Esse sermão foi proferido na noite de 8 de julho de 1741, na capela de Enfield, no estado de Connecticut (EUA), por ocasião do “Grande Despertamento” ocorrido naquela região.

Mais de dois séculos e meio se passaram, e o sermão de Edwards ainda é lembrado com alguma nostalgia por parte de muitos cristãos hodiernos. As alusões aos ouvintes agarrando-se aos bancos por pensarem que iam cair no fogo do inferno enquanto Edwards pregava são abundantes nos lábios dos pregadores e nas penas (ou teclas) dos escritores das épocas subsequentes. Entretanto, um grave erro aconteceu nessa transição de épocas. Os pregadores modernos presumiram que poderiam aperfeiçoar a abordagem de Edwards, e o resultado disso foi uma verdadeira tragédia para a sã doutrina. Começando por Charles Finney (1792-1895) até aos pregadores contemporâneos, a pregação declinou da centralidade em Deus para as necessidades do homem. A ira do Criador cedeu espaço aos caprichos da criatura nos discursos humanistas, inadequadamente chamados de pregação, fazendo com que a soberania de Deus fosse banida do ideário popular dito evangélico.

Isso resultou em um processo de descaracterização do evangelho. A força e firmeza doutrinária tão característica nos puritanos cedeu lugar a um novo tipo de “fé” que emergia dos ideais iluministas. O pragmatismo finneyano alterou radicalmente o modus operandi da igreja, que agora passou a existir unicamente para agradar aos homens. Os fins passaram a justificar os meios quando o assunto era ganhar os perdidos. “Não importa o método. Se deu certo, é porque é de Deus” – um arroubo triunfalista que sugere a ideia de um “pragmatismo consagrado”[1]. Isso fez com que os pregadores adequassem sua pregação e teologia a essa nova concepção de ser igreja no mundo, mesmo que tal adequação implicasse em flagrante contradição com ensinamentos claros das Escrituras. O sistema calvinista de doutrina foi rejeitado por se mostrar “opressivo” e por impedir a “manifestação da potencialidade humana”, com suas “ênfases na soberania de Deus, na depravação do homem, na escravidão da vontade e na conseqüente incapacidade humana para as grandes escolhas”[2]. A rejeição aos postulados dos reformadores foi deliberada.

Todo esse legado finneyano chegou intacto ao século XXI. Se na época de Finney o pecador era convidado a “aceitar” a Jesus, hoje ele não somente é conclamado a fazê-lo, mas também a “determinar” que seja por Deus abençoado, já que agora um “pacto” foi estabelecido. As pessoas são alimentadas com a ideia de que, agora que são crentes, tem o direito de ser abençoadas, e “ai” de Deus se alguma cláusula nesse “contrato” for violada. Nesse caso, Deus senta calado no banco dos réus para ser julgado pelo homem. Isso sem falar na aversão que os crentes modernos tem a palavras negativas como “ira”, “pecado”, “inferno” etc., palavras essas que foram abolidas do vocabulário de muitos pregadores contemporâneos (a não ser quando se fala da “infidelidade” financeira dos fieis). Para muitos cristãos da atualidade, falar em um Deus irado é uma ofensa grosseira aos ouvidos do cidadão pós-moderno. A própria noção de um Deus irado é incompatível com a sua natureza bondosa de Pai. O homem, pensam eles, não precisa conhecer um Deus irado, e sim, um Deus de amor, que está sempre de braços abertos. Toda essa ordem de coisas faz com que o título do sermão de Jonathan Edwards seja convertido para “Deus nas mãos de pecadores irados”, como bem observou R. C. Sproul, significando algo mais do que uma simples mudança na ordem das palavras.

Felizmente, Jonathan Edwards não viveu o suficiente para ver como os pregadores modernos torceram impiedosamente o seu sermão. Ele morreu de varíola em março de 1758, mas provavelmente morreria de infarto se porventura ainda lhe restasse uns séculos a mais de vida. Fico a refletir no que Edwards pensaria dos tele-evangelistas e “avivalistas” da atualidade, muitos dos quais se auto-intitulam “apóstolos” e “profetas”, que ficam querendo incutir na mente das ovelhas que elas agora podem tudo, inclusive inquirir a Deus, exigindo-lhe a sua parte no acordo. Não conheço nenhum pronunciamento de Edwards sobre esse particular, mas suponho que ele pregaria algo parecido com “Pregadores nas mãos de um Deus irado”. Nesse caso, seria bom que ele ainda estivesse vivo. A menos que novas vozes surjam no meio de todo esse escombro eclesiástico, para que Deus promova outro “Grande Despertamento” em nossos dias.

Soli Deo Gloria!!!

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[1] Termo cunhado por Peter Wagner. Ver PORTELA, Solano. Planejando os rumos da igreja: Pontos positivos e críticas de posições contemporâneas. Nota de rodapé nº 9, Fides Reformata, vol. I, nº 2 (julho-dezembro 1996), 84.
[2] SOUSA, Jadiel Martins. Charles Finney e a secularização da igreja. São Paulo. Edições Parakletos, 2002. Pág. 92.

FONTE: Optica Reformata

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